Relato de uma mulher depilando a virilha
Tenta sim. Vai
ficar lindo.*
Falaram que eu ia me
sentir dez quilos mais leve. Mas acho que pentelho não pesa tanto
assim. Disseram que meu namorado ia amar, que eu nunca mais ia
querer outra coisa.
Eu
imaginava que ia doer, porque elas ao menos me avisaram que isso
aconteceria. Mas não esperava que por trás disso, e bota por trás
nisso, havia toda uma indústria pornô-ginecológica-estética.
* *-Oi, queria marcar depilação com a Penélope.
-Virilha.
- Normal ou cavada?
* *Parei aí. Eu lá sabia o que
seria uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, quis fazer
direito.* *- Cavada mesmo.
- Amanhã, às… Deixa eu ver…13h?
-
Ok. Marcado.
* *Chegou o dia em que perderia dez quilos. Almocei
coisas leves, porque sabia lá o que me esperava, coloquei roupas
bonitas, assim, pra ficar chique. Escolhi uma calcinha apresentável.
E lá fui. Assim que cheguei, Penélope estava esperando. Moça alta,
mulata, bonitona. Oba, vou ficar que nem ela, legal. Pediu que eu a
seguisse até o local onde o ritual seria realizado. Saímos da sala
de espera e logo
entrei num longo corredor.
De um lado a parede e do outro, várias
cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos, gritos, conversas.
Uma mistura de Calígula com O Albergue. Já senti um frio na barriga
ali mesmo, sem desabotoar nem um botão.
Eis que chegamos ao nosso
cantinho: uma maca, cercada de cortinas.
* *- Querida, pode deitar.* *
Tirei
a calça e, timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca. Mas a
Penélope mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra uma mesinha.
Ali estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas. Uma panela,
uma máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus, era O Albergue mesmo.
De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e sabia
o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a cordinha
pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.
* *- Quer bem
cavada?
- é… é, isso.* *
Penélope então
deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da Abigail, nome
carinhoso de meu órgão, esqueci de apresentar antes.
* *- Os pêlos
estão altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais ainda .
-
Ah, sim, claro.* *
Claro nada, não entendia porra nenhuma do que ela
fazia. Mas confiei. De repente, ela volta da mesinha de tortura com
uma espátula melada de um líquido viscoso e quente (via pela
fumaça).
* *- Pode abrir as pernas.
- Assim?
- Não, querida.
Que nem borboleta, sabe? Dobra os joelhos e depois joga cada perna
pra um lado.
- Arreganhada, né?* *
Ela riu. Que situação. E
então, Pê passou a primeira camada de cera quente em minha virilha
Virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de puxar. * *Foi
rápido e fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído, que apenas
minha ossada havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar. Achei que
havia
sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com os olhos,
já cogitando a possibilidade de ligar para o Samu. Tudo isso buscando
me concentrar em minha expressão, para fingir que era tudo super natural.
* *Penélope perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Eu
havia esquecido de respirar. Tinha medo de que doesse mais.
* *-
Tudo ótimo.
E você?* *
Ela riu de novo como quem pensa “que garota
estranha”. Mas deve te aprendido a ser simpática para manter
clientes. * *O processo medieval continuou. A cada puxada eu tinha
vontade de espancar Penélope. Lembrava de minhas amigas recomendando
a depilação e imaginava que era tudo uma grande sacanagem, só pra
me fazer sofrer.
Todas recomendam a todos porque se cansam de sofrer
sozinhas.
* *- Quer que tire dos lábios?
- Não, eu quero só
virilha, bigode não.
- Não, querida, os lábios dela aqui ó.* *
Não,
não, pára
tudo. Depilar os tais grandes lábios? Putz, que idéia. Mas topei.
Quem está na maca tem que se f*der mesmo.* *- Ah, arranca aí. Faz
isso valer a pena, por favor.* *Não bastasse minha condição, a
depiladora do lado invade o cafofinho de Penélope e dá uma conferida
na Abigail.
* *- Olha, tá ficando linda essa depilação.
-
Menina, mas tá cheio de encravado aqui. Olha de perto.* *
Se tivesse
sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração das
duas. Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um pesadelo.
“Me leva daqui, Deus, me teletransporta”. Só voltei à terra quando
entre uns blábláblás ouvi a palavra pinça.
* *- Vou dar uma pinçada
aqui porque ficaram um pelinhos, tá?
Estava enganada. Senti cada picadinha
daquela pinça filha da mãe arrancar cabelinhos resistentes da pele
já
dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia que o motivo para isso
ainda estava por vir.
* *- Vamos ficar de lado agora?
- Hein?
-
Deitar de lado pra fazer a parte cavada. * *
Pior não podia ficar.
Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei esperando novas
ordens.
* *- Segura sua bunda aqui?
- Essa banda aqui
de cima, puxa ela pra afastar da outra banda. * *
Tive vontade de
chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava de cara para
ele, o olho que nada vê. Quantos haviam visto, à luz do dia, aquela
cena? Nem minha ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara dela,
como se pudesse envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite com
um pesadelo. O marido perguntaria:
* *- Tudo bem, Pê?
- Sim…
sonhei de novo com o c* de uma cliente. * *
Mas de repente fui
novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera
quente besuntando meu Twin
Peaks. Não sabia se ficava com mais medo da puxada ou com vergonha
da situação. Sei que ela deve ver mil cus por dia. Aliás, isso até
alivia minha situação. Por que ela lembraria justamente do meu entre
tantos? E aí me veio o pensamento: peraí, mas tem cabelo lá? * *Fui
impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera. Achei que a bunda
tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que tivesse
ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história mais.
Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais, xingamentos,
preces, tudo junto. * *- Vira agora do outro lado.* *P*rra… por
que não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a bandinha.
E então, piora. A broaca da salinha do lado novamente abre a cortina.
* *- Penélope, empresta um chumaço de algodão?* *
Apenas uma
lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era
dor demais, vergonha demais. Aquilo não fazia sentido. Estava me
depilando pra quem? Ninguém ia ver o tobinha tão de perto daquele
jeito. Só mesmo Penélope. E agora a vizinha inconveniente.
* *-
Terminamos. Pode virar que vou passar maquininha
. - Máquina de quê?!
-
Pra deixar ela com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol.
-
Dói?
- Dói nada.
- Baixa a calcinha,
por favor.
* *Foram dois segundos de choque extremo. Baixe a
calcinha, como alguém fala isso sem antes pegar no peitinho? Mas o
choque foi substituído por uma total redenção. Ela viu tudo, da
perereca ao cu. O que seria baixar a calcinha? E essa parte não doeu
mesmo, foi até bem agradável.
* *- Prontinha. Posso passar um talco?
-
Pode, vai lá, deixa a bicha grisalha.
- Tá linda! Pode namorar
muito agora.
* *Namorar…namorar. .. eu estava com sede de vingança.
Admito que o
resultado é bonito, lisinho, sedoso. Mas doía e incomodava demais.
Queria matar minhas amigas. Queria virar feminista, morrer peluda,
protestar contra isso. Queria fazer passeatas, criar uma lei
antidepilação cavada. *
Nenhum comentário:
Postar um comentário